Textura Musical

Para a área de música, o conceito tem mais de um significado (polissemia). Infelizmente, não há uma unificação do seu uso  ao longo da literatura, havendo em alguns casos até a utilização musicalmente inadequada. Informalmente é usado como sinônimo de intensidade sonora ou densidade de som. Há autores que entendem que quanto mais executantes, maior é a textura, o que não é musicalmente adequado.

O termo textura vem da analogia de que a melodias se combinam em música da mesma maneira que fios se combinam em um tecido. Diferentes maneiras de combinar fios produzem tecidos de texturas diferentes. Portanto, diferentes maneiras de combinar melodias produzem também músicas de texturas diferentes.

Formalmente, o conceito de textura musical identifica procedimentos composicionais que descrevem o modo como as linhas melódicas se relacionam dentro da obra musical. Diferentes procedimentos composicionais em uma obra musical trazem a possibilidade de que os elementos melódicos contribuam com parte da estrutura da obra, conferindo possibilidades suficientes à expressão artística do(a) compositor(a). Os tipos de relacionamento entre as linhas melódicas definem seções e partes na música, portanto estabelecendo diferenças ou similaridades estruturais ao longo da obra.

Figura 1: Texturas Musicais e tipificação

Podemos dividir basicamente a textura em dois tipos iniciais pela quantidade de melodias diferentes que estão sendo apresentadas. A primeira é Monofonia que se define por haver apenas uma melodia cantada ou tocada por um ou mais executante. Observa-se então que não importa a quantidade de executantes ou mesmo o tipo de instrumentos na definição desta textura. Além disso, uma mesma melodia por mais de um executante, mas com um (ou mais) intervalo(s) de oitava justa não muda a textura, sendo essa realização ainda monofônica. Nestes casos há diferença timbrística entre o canto em uníssono e o canto em oitava justa por questões acústicas, porém a melodia realizada à oitava justa resulta na segunda combinação sonora intervalar mais facilmente reproduzível, sendo o uníssono a primeira.

Figura 2: Monofonia, “Veni Creator Spiritus”

Ex. 1: “Veni Creator Spiritus” em uníssono.

Ex. 2: “Veni Creator Spiritus” em oitava

Todas outras texturas são Polifônicas. Para nossa compreensão aqui, usa-se a definição mais antiga do termo Polifonia, que designa apenas que há duas ou mais linhas melódicas diferentes simultâneas. O termo Polifonia tem sido usado com significados diferentes por diversos autores ao longo da História da Música. Há quem escreva Polifonia como sinônimo de Contraponto e há quem mesmo faça diferença entre esses dois termos identificando dois estilos diferentes de composição.

Pode-se dividir a textura Polifônica em quatro. Temos a Heterofonia (1) que consiste em dois ou mais executantes realizando uma só melodia, mas cada um a ornamentando de maneira livre. A percepção sonora nos momentos em que cada um faz seus ornamentos é de uma progressão não regulada de intervalos consonantes e dissonantes. Como a ornamentação é livre para cada um o resultado sonoro é aleatório em cada realização, não se percebendo qualquer controle de sonoridades durante as ornamentações.

Ex. 3: trecho do “Tabuh Gari” do Álbum “Gamelan Semar Pegulingan” (Gamelão do Deus do Amor).

A Polifonia Homofônica (2) se define por linhas melódicas diferentes com início e fim sincronizados. É também chamada de estilo cordal ou familiar. A mais fácil de visualizar é a homorrítmica, quando todas as vozes envolvidas possuem os mesmos valores rítmicos nota a nota. Ao se juntar ou subdividir valores rítmicos, essa homorritmia vai diminuindo e tornando a escrita mais elaborada sem que se altere essa textura. Então, pode-se dizer que a Polifonia Homofônica vai da mais completa homorritmia a uma escrita mais elaborada em cada voz.

homorritmia                                         |                                          mesmo trecho elaborado

Figura 3: Homorritmia e elaboração, adaptadas de J S Bach BWV 67, “Du Friedefürst Herr Jesu Christ”

Ex. 4: Homorritmia e elaboração, J S Bach BWV 67 “Du Friedefürst Herr Jesu Christ”

A Polifonia Contrapontística (3) se caracteriza por duas ou mais linhas melódicas apresentadas deslocadamente no tempo. Ela pode ser imitativa ou não imitativa. A imitação como procedimento composicional é um dos artifícios mais úteis para os(as) compositores(as) no estabelecimento de unidade musical. Considera-se imitação quando um elemento melódico é apresentado pela primeira vez numa voz e aparece novamente em seguida uma outra voz guardando uma relação com o primeiro por algum artifício de manipulação melódica. Essa relação pode ser de fácil audição ou visualização quando forem mantidos, intervalos internos, contornos melódicos e valores rítmicos, por exemplo, mas podem ser de difícil audição ou visualização quando se utiliza de artifícios de manipulação melódica mais complexos, como artifícios matemáticos de combinação, sendo necessário considerar o elemento melódico seguinte como produzido a partir do anterior. Estando estabelecida essa relação entre dois elementos melódicos, temos uma Polifonia Contrapontística imitativa (3a).

Figura 4: Polifonia Contrapontística Imitativa. Trecho inicial do Kyrie da “Missa Papae Marcelli” de G. P. da Palestrina.

Ex. 5: Polifonia Contrapontística Imitativa. Trecho inicial do Kyrie da Missa Papae Marcelli de G. P. da Palestrina.

Duas ou mais linhas melódicas são ditas em Polifonia Contrapontística não imitativa (3b) (também chamada de contraponto livre) quando elementos melódicos de duas ou mais vozes que entram deslocadas no tempo não possuem qualquer relação com elementos melódicos anteriores. As vozes não são sincrônicas e não compartilham características melódicas. No exemplo abaixo há uma exceção nos compassos 13 e 14 entre as duas vozes mais graves no qual aparece uma imitação em aumentação.

Figura 5: Guillaume Dufay, “Lamentatio Sanctae Matris Ecclesiae Constantinopolitanae”

Ex.6: Polifonia Contrapontística não imitativa, Guillaume Dufay, “Lamentatio Sanctae Matris Ecclesiae Constantinopolitanae”

Chama-se de Monodia à textura que possui uma melodia com um acompanhamento livre. A diferença entre Monodia e o outro tipo de melodia acompanhada, como a Polifonia Homofônica, é a diferença de função entre os elementos melódicos do acompanhamento e da melodia. Enquanto numa Polifonia Homofônica as vozes que acompanham estão em sobreposição umas às outras e todas à serviço da melodia principal como uma reelaboração desta, na Monodia o acompanhamento se destaca pela liberdade pela escrita idiomática, que se destaca na exploração de elementos e artifícios musicais que não se encontram na melodia que acompanha.

Figura 6: Monodia. Franz Schubert, “Auf der Donau, D.553”

Ex. 7: Monodia. Franz Schubert, “Auf der Donau, D.553”

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